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Sobre a letra da música ‘Jesus Cristo’, de Roberto Carlos

The face of Christ in the sky

Na altura em que nos achamos, às voltas com a presente obra de Roberto Carlos, torna-se quase de todo impossível tecer comentários em torno dela, sem cair naquilo que a maioria já disse e já vai caducando.

De sorte que vou assumir o risco de levantar considerações que não serão de modo algum novidade aqui. Mas, afinal de contas, ninguém que se encontra presente é tão otimista para aguardar, no presente momento, uma ideia mágica ou desconhecida. Ninguém terá chegado com o intuito de ouvir como que uma espécie de revelação, porque, na verdade, não estamos nos deparando com uma problemática da qual tenha que brotar rigorosa análise, mas, sim, diante da simplicidade cristalina de um poema.

As considerações que norteiam estes dizeres que vão se seguir se deixam dividir em duas partes: a primeira, prende-se a anotações concernentes à letra em si mesma; a outra, constando de uma reflexão pessoal.

A letra que é motivo da reunião nossa e que todos já conhecem:

Jesus Cristo

Olho pro céu e vejo uma nuvem branca que vai passando / Olho na terra e vejo uma multidão que vai caminhando / Como essa nuvem branca essa gente não sabe aonde vai / quem poderá dizer o caminho certo é você meu pai.

Toda essa multidão tem no Pai o amor e procura a paz / E apesar de tudo a esperança não se desfaz / Olhando a flor que nasce no chão daquele que tem amor / Olho pro céu e sinto crescer a fé no meu Salvador

Em cada esquina eu vejo o olhar perdido de um irmão / Em busca do mesmo bem nessa direção caminhando vem / É meu desejo ver aumentando sempre essa procissão / para que todos cantem na mesma voz essa oração:

Jesus Cristo eu estou aqui.

Como é conhecido de todos, trata-se da letra da música inserida no último long play de Roberto Carlos, também aparecendo canções como Ana, Meu pequeno Cachoeiro, Vista a roupa meu bem etc., todas elas na base da batitinha do ie-ie-ie. Compõe-se de três estrofes e o estribilho e dá a parecer que se constitui numa obra à parte, desviada da temática habitual do autor, o que é verdade até certo ponto, mas ainda persistindo um forte subjetivismo e emocionalismo.

Roberto Carlos não oferece problema de vocabulário, sua linguagem é extremamente simples, fato que determina compreensão da letra até por parte das crianças. No poema ora estudado, ele constata uma multidão vagando ao acaso, buscando um bem que, provavelmente, seja a paz. Descobre a existência da fé, sentindo-a crescer dentro de si ao contemplar o simples despontar de uma flor; vê nisso amor e relação com o Criador. E procura exprimir o desejo de que outros também fossem atraidos por essa mesma fé, que certamente haveria de orientar e traduzir-se na súplica, em favor do bem que procura. É como se Roberto Carlos quisesse sugerir um reatamento de relação com o Senhor Jesus Cristo.


cristo rio

O texto, no seu todo, fixa um tema que é, no caso, muito evidente: a consciência do rumo incerto em que caminha o homem e a descoberta feliz de horizonte, por meio da fé e oração. A multidão caminha comparável a uma nuvem desgarrada, caminhando por caminhos impensados e afastada sempre daquilo que realmente busca.

O poeta, angustiosamente, sente isso, e, tal como se pretendesse que outros também partilhassem, exprime a oração que se assemelha a um aviso de quem andava distante e agora retorna…

Roberto Carlos, embora não possuindo o recurso dos grandes poetas no manejar do verso, vale-se de todos meios possíveis para realizar um acabamento satisfatório. Emprega uma forma de verso breve e concisa, talhada para um tipo de composição de música popular. Desse modo, consegue dar feição de espontaneidade, em que a alma, despojada de qualquer sombreamento, aparece mais que tudo. É preciso que se note o belo resultado a que consegue chegar com o estribilho “Jesus Cristo, Jesus Cristo …. eu estou aqui” insistêrncia importunadora que é um reflexo da ideia única e cristalizada que toma conta do poeta. Mediante tal repetição, ele consegue realizar o intento de mostrar, ao fundo, um anseio perturbador.

Mais uma vez, Roberto Carlos mostra-se propenso a cantar os estados emocionais que é uma constante nas suas poesias, só que, dessa vez, vai mais além. Ele nos encerra num clima lamentoso da alma angustiada, aliado a um vislumbre de júbilo em decorrência da fé, que o faz, num determinado momento, voltar-se para o Ser Supremo. É evidente que tudo isso tem a ver com o impacto do cristianismo. Ressoa em suas palavras o vazio do “algo mais” espiritual que só existe em Cristo. Transpira o sabor dos velhos spirituals, canto que os negros americanos cantaram que falam de solidão e também de uma esperança.

Contudo, não se pode classificar a letra de Jesus Cristo como sendo de elevado valor literário ou intelectual. Nem mesmo está para ser comparada com obras em que predominam os aperfeiçoamentos sofisticados sob o ponto de vista estilístico ou formal. Nem mesmo se consta conteúdo trabalhado de modo muito elaborado. Ao contrário, é uma composição acessível, simples. Seu autor não foi arrancá-la das raízes fundas do pensamento, como poderia ocorrer, e ocorreu, de fato, em outros grandes criadores do gênero. Mas, não há por que desaboná-lo por causa disso. Temos, sim, de reconhecer a vantagem do seu alcance e da sua penetração, por estar mais conforme com a época.

É uma letra que poderia servir para ser cantada tranquilamente em qualquer igreja evangélica, em louvor, pois nela existe a mensagem e o testemunho da fé em Jesus Cristo. Quem atentar para ela, há de concordar com isso: representa uma página de exaltação e um hino de súplica ao Senhor. Não se trata de indagar se o compositor erra ou não em certos pontos. Não deve haver preocupação de se descobrir a intenção dele, se existe ou não existe sinceridade nas palavras dele. Ou se se trata simplesmente de um trabalho profissional, ou ainda de uma jogada de irreverência, puramente comercial.

Não vem ao caso discutir se os frívolos estão por aí a degenerar e profanar letras como essa em exame, em boates ou em outros ambientes inadequados. Pois tais elementos que não sabem distinguir o sagrado do profano sempre existiram e, além do mais, a culpa não recairá em ninguém mais, senão sobre eles próprios. Portanto, o mais importante é que a letra em si encerra uma mensagem que transcende tudo o mais, que sugere máxima seriedade. Mais ainda, apela para a meditação. Mensagem que talvez milhões estejam cantando como convém — conscientes e reverentes. Apenas isso já basta para compensar outros pesares.

Apenas o fato do nome de Jesus Cristo estar sendo cantado pela juventude, rincões afora, já significa um passo dado em direção correta.

Nilberto de Matos Amorim

(Texto usado numa reunião de jovens, numa noite cujo mês ficou no esquecimento, logo após a edição da música)

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