João Falcão Sobrinho (‘In Memoriam’)
Mas, é usual também que eu me afaste dali premido por toda uma maré-montante de pensamentos, com a mente possuída por figuras e personagens de outrora. E não sendo tal premência o desejo de fazer recordação ou acerto de contas com o passado, o que de fato sempre ocorre é uma necessidade de recapitular a vida, de manejar com proveito os fios soltos dela ou, se preferir, de juntar as partes dispersas de uma história que teve boa porção passada naquele recanto da cidade.
Infalivelmente, então, me vejo repleto de imagens de uma vila da periferia de São Paulo onde tudo começou. Desprovida de renome, de prestígio e de atenção, essa vila amargava muitas carências; a pobreza ali era fator que pesava um bocado. Mas, um dia, mudou-se para lá um homem com mulher e três filhos, e muitos moradores tiveram o senso imediato de reconhecer no evento um ganho inestimável: se uma das carências do bairro humilde era a ausência de um grande homem, tal acabava de ser sanada. É que o recém-chegado tinha um modo de ser que se fazia notável; ele trazia educação, fineza, amor, fé e largos horizontes; era visível a excelência dos valores ou da qualidade do caráter que emanava da sua personalidade. Mais ainda, via-se bem que ele trazia uma missão, uma causa, para aquele povo humilde da vila.
Influência imediata
Nos idos de 1960, João Falcão mudou-se para o Rio de Janeiro, atendendo chamado de Deus para pastorear igreja e integrar o estafe da estrutura denominacional. Mas nossa proximidade se manteve; fosse por visitas pessoais, fosse por leituras de artigos e livros da autoria dele ou fosse via telefone e e-mails. Em novembro último, ele passou uma semana em São Paulo com a esposa, dona Zênia, cabendo-me a honra de conduzi-lo a algumas casas de familiares e amigos. Na oportunidade, conversamos bastante, e eu prometi ir visitá-lo no Rio. Não suspeitava que estava me despedindo dele, não imaginava que no tão próximo 23 de dezembro, ele partiria para a presença do Senhor. E um dado intrigante é que, no mesmo dia, eu estava mal numa UTI de hospital, tendo escapado por pouco de lhe fazer companhia.
Tenho por certo de que, doravante, ao me deter ante o prédio do Centro de São Paulo, João Falcão Sobrinho, meu chefe, meu pai espiritual, meu pastor e meu orientador para a vida, emergirá mais que tudo nas minhas visões ali. E curvarei a cabeça num gesto de quase-reverência a ele, dali partindo imbuído da convicção do quanto Deus o usou para afetar positivamente a vida de pessoas, de famílias, de bairros e — por que não dizê-lo? — do próprio País.
Veja aqui o vídeo com a conversa que tive com o pastor Falcão, em São Paulo, dias antes de ele falecer.
Nilberto de Matos Amorim
Publicado originalmente no jornal Comunhão, fevereiro de 2015
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