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Enganoso é o coração


Human Heart Attack Time Bomb

Na verdade, a antinomia coração versus razão coloca-se desde o início dos tempos. Refere-se a certa tensão existente entre as duas instâncias que governam a espécie humana. De um lado, a área afetiva, de outro a cognitiva. Ou, dito de outro modo: sentimentos, emoções e impulsos, por um lado, e intelecto, juízo, lógica, luz racional, por outro. Até que ponto elas constituem realmente unidades opostas ou estanques entre si, é difícil de se precisar, mas a distinção a ser feita entre ambas é ponto pacífico. Uma e outra estarão por detrás de cada ato do indivíduo — e é o equilíbrio ou o desequilíbrio de doses que fará dele um ato racional ou passional.

Em sendo, portanto, o coração e a razão as duas dimensões fundamentais que comandam o comportamento do homem, seria instrutivo uma reflexão sobre qual dos dois representa a maior fonte de motivação, isto é, qual dos dois dita ou causa a maior parte de nossas ações. Isso nos conduziria a uma ideia sobre aquilo que realmente somos.

Ora, há muito sabe-se que o aspecto afetivo é preponderante; que é coração (sentimentos, emoções) que nos move em quase tudo que fazemos. Freud explicou isso muito bem (sua tese sobre o princípio do prazer), mas qualquer um pode fazer sua própria comprovação: basta reconhecer o poder da voz do coração em sua vida, ou, simplesmente, ter olhos para ver os absurdos e os irracionalismos de nossa era absurda. Para ser convencido disso, será de grande ajuda lançar um olhar na história: os holocaustos, Hiroshima, as inquisições.

E há etapas da vida, principalmente a adolescência, em que o coração impera mais tenazmente. Idade do alvorecer, do colorido especial e aguçado, a adolescência é a idade do próprio coração. É quando, enamorado da vida, o jovem busca sensações, experiências e emoções; quando é comum a procura de prazer a todo custo, a ânsia por sensações novas e diferentes. De certo modo, é ela também a fase mais vulnerável do indivíduo: corre o risco de ser invadido por meio do coração pelos vícios, más companhias, drogas, pornografia, orgias. E, de fato, frequentemente isso ocorre.

Escravo do coração


Sad woman almost crying portrait black and white

E se tocássemos na questão do bem e do mal, que muito bem poderia aqui emergir por causa de sua pertinência com os misteriosos desígnios do coração humano, não haveria distinção de idade a ser feita. A Bíblia, ao tratar em diversos pontos sobre ele, o faz de modo genérico, apresentando-o (tremam!) como a origem de todo mal e de todos os desvarios humanos. Enganador, corrupto e insondável em sua natureza — eis o alerta das Sagradas Escrituras em passagens como a supracitada.

De fato, enganos e ciladas brotam do coração. A luz da razão direciona o homem para os bons propósitos, mas, com que frequência, as forças do coração tramam e atraiçoam — negando-lhe assentimento! Com que frequência a tirania do coração cala a razão e comete-se o mal que, depois, se paga com lágrimas.

Há mil perigos no coração. É inconfiável, desesperadamente corrupto e, acima de tudo, inacessível. Não é possível o acesso em seus recessos e recônditos. Piloto algum tem carta de navegação para essa misteriosa região de seu próprio ser, repleta de variações, instabilidades, oscilações, inconstâncias e turbulências: aí, volta e meia, somos apanhados de surpresa por geleiras glaciais, tanto quanto por calor de fornalha, ou, senão, por asperezas de rochas e por terríveis vendavais. Calmaria … só raramente.

Pensando bem, a sabedoria verdadeira, a ser perseguida por todos, em todo tempo e em qualquer idade, consiste em domar as estranhas leis alojadas no coração e em evitar seus vícios e seduções. No entanto— que ninguém se engane—, isso só é possível mediante o milagre da regeneração, quando uma nova lei é escrita no coração (Jr. 31:33). Em outras palavras, somente alcançam libertação do poder desse ardiloso e cúpido sedutor chamado coração os que se entregam àquele que é o único capaz de esquadrinhar seus recessos, purificá-lo e habitá-lo: Jesus Cristo.

Nilberto de Matos Amorim

(Publicado originalmente na revista Campus, da Jumoc, ano VII, Nº 43, jul. ago. set. 1992)

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