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O ateu e seu delírio


Michelangelo's The Creation of Man from the ceiling of the Sistine Chapel

De antemão, é bom observar que os referidos textos apresentam parentesco quanto aos assuntos — origem da vida, evolucionismo, seleção natural das espécies, deslumbramentos do autor em face do universo (tanto micro quanto macro), apologia às teses darwinistas e, é claro, rejeição de criador ou “projetista” em todos esses processos.

Mas, Deus, um delírio enfrenta outras temáticas, ressaltando-se a do criacionismo/evolucionismo, debate no qual Dawkins deixa vir à tona todos os seus furores. São páginas e páginas de polarizações, sarcasmos, injúrias e difamações contra a religião, cabendo reparar que, ao fim e ao cabo, os argumentos que apresenta até passam por ser previsíveis e envelhecidos: constituem esforços em apontar na história da humanidade eventos negativos atribuíveis à religião (cruzadas, guerras, “jihads”, seitas fanáticas, fundamentalismos, vendas de indulgências, práticas de mercantilismo, ataques às torres gêmeas de Nova Yorque, ao metrô de Londres etc.). O discurso atinge a radicalização quando afirma que religião é triste, divisora, perversa, maligna, ao passo que o ateísmo é alegre e associado a alto nível de instrução; melhor dito, quando estabelece identificação entre, de um lado, evolucionismo e inteligência ou esclarecimento e, de outro, entre criacionismo e atraso ou obscurantismo. Teólogos e pregadores também não são poupados. Ao falar de Deus, não usa luvas de pelica; Deus, para o autor, é uma invenção do imaginário humano, explicável a partir da busca de consolo ou conforto empreendida pelo homem, donde poder ser substituído por abraço amigo, bebida, drogas, artes ou — mais preferivelmente — por ciências. Mas, em uma passagem, Dawkins beira às raias do risível ao jurar que evoluímos desde os tempos de Moisés e Josué, e ao oferecer — bancando um Moisés atualizado — uma espécie de réplica ou versão às avessas do decálogo bíblico, no qual o leitor perceberá de imediato forte exalação da filosofia que o embasa, que é a do carpe diem (“curta” o hoje).

The Atheist

Narrativa engenhosa

Por sua vez, A grande história da evolução apresenta as especulações teóricas de Dawkins sobre a origem da vida e respectivos processos de transformação por via da seleção natural, os quais responderiam pela infinita variedade de espécies existentes. A arquitetura da narrativa é feita com procedimentos deveras engenhosos, consistindo na construção de “contos” centrados em personagens, tais como homem, carvalho, cobra, lagarto, tamanduá e outros. Tal estratégia lhe serve para efetivar uma imaginária viagem que vai do tempo presente às “profundezas do tempo geológico”, isto é, até ao ponto onde tudo teria começado. A jornada, de tão longa, é medida na magnitude de eras geológicas de bilhões de anos, razão pela qual Dawkins fica obrigado a fazer 39 “paradas” ou, sendo mais justo, 39 “encontros”, os quais, distando milhões de anos um do outro, correspondem a “pontos de bifurcação”, ou marcos críticos e cruciais em termos de rupturas e continuidades que supostamente teriam ocorrido com as espécies na marcha evolutiva.

Ao longo dessa viagem regressiva, o leitor vai se deparando com infindável multidão de peregrinos: gêneros, espécies, famílias e formas de vida as mais diferentes e estranhas. Fica inteirado de que o gênero humano é antiguíssimo, datando sua presença no planeta entre 5 e 7 milhões de anos; também de que tem no homo habilis, homo eretus e austrolopitecus os parentes imediatos, e nos chimpanzés e bonobos os mais mediatos. Ao atingir pontos profundos do tempo, cerca de 800 bilhões de anos, o leitor-peregrino esbarra apenas com vermes, esponjas, parasitas, animais semelhantes a plantas, seres sem sistema nervoso. Por fim, a chegada ao ponto final, berço primordial e elementar da vida, localizado embaixo do oceano, onde jaz nossa ancestral mais remota — certa bactéria termófila (assim chamada por causa do gosto por temperaturas altas).

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Genes ‘egoístas’

Ainda em A grande história…, vemos como Dawkins aferra-se a uma visão bio-físico-química de homem e de mundo. Seu universo vocabular e semântico está recheado de termos como “genes”, “aminoácidos”, “moléculas”, “enzimas”, “proteínas”, “hormônios”, “átomos, “DNA” etc. A história da evolução perante a qual nos põe em presença tem a ver, na verdade, com uma enormidade de fios (ou caudais?) genéticos que se estende em todas as direções possíveis. O argumento dele é de que os genes são “egoístas”, portanto, querem se replicar, irem adiante; enfim, buscam vir à luz, sobreviver em corpos, lutar, conservar-se. A ideia da determinação genética da vida é triunfante. Ou seja, em sua narrativa, nem Deus, nem sociedade, nem indivíduo algum surge como sujeito ou agente principal. Tal privilégio é concedido aos genes. É como se aqueles fios ou caudais detivessem uma razão, um “logos” transcendente, que os possibilitasse fluir e comandar — desde tempos imemoriais — a vida toda ela. Em curtas palavras, é como se os genes fossem o verdadeiro ser por detrás das aparências. O quadro daí resultante tem a aridez própria de um naturalismo cru que desespiritualiza tudo e todos.

Fica patente, então, que o conteúdo dos livros de Dawkins situam-se nos antípodas do que é ensinado na Palavra de Deus, e as respostas que formula para os enigmas da vida, não raro, soam como delírios que, de tão uivantes, exigem fé bem maior do que é possível ao homem comum do povo (pense-se, exemplarmente, no princípio explicativo que ele adota de que o mundo imaterial e ilimitado do pensamento ou do espírito tem origem no mundo da matéria; de que uma ordem de realidade composta por átomos, moléculas, enzimas ou o que o valha, pôde gerar uma outra, com as qualidades e atributos tão radicalmente diferentes dos que conhecemos). Donde ter o leitor de optar: criacionismo ou evolucionismo darwiniano? As explicações teológicas ou a zoologia de Dawkins, para a qual a pessoa de um Platão, um Alexandre Magno, um apóstolo Paulo, Shakespeare ou Beethoven tem mais a ver com potências da natureza e da evolução, com “loteria do esperma” por assim dizer, do que com a onipotência de um Criador?

Sabemos que o credo de Dawkins faz adeptos por toda parte (ele é um autêntico missionário dos preceitos darwinistas). A situação é paradoxal e faz lembrar o que lemos na Bíblia: “Diz o insensato no seu coração: ‘Não há Deus.’ Corrompem-se e praticam abominação”. (Sl14:1). Ao excluir o Criador e submeter o homem a uma avaliação aviltada e apequenada, com o negar-lhe filiação divinal, tal credo fere a glória do primeiro e rouba cruelmente a sacralidade do segundo, ficando desimpedido o caminho para a expansão de um nefasto darwinismo social em que só os fortes sobrevivem, coisa que, de resto, vem ocorrendo num crescendo por toda parte atualmente.

Que nos posicionemos, vigilantes, ante os delírios acima referidos, lembrando que seria muito pouco se apenas lhes negássemos guarida; que o requerido é trabalharmos contra eles em todas as frentes.

Nilberto de Matos Amorim

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