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Civilização: um campo de batalha


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Falar de civilização é tarefa árdua e de muitos riscos. Implica falar de totalidades humanas, assim como de variadas porções destas. Vale dizer, implica deparar-se com material indutor de divergências, etnocentrismos, xenofobias e muros de separação. Com isso, o analista pode perder-se em particularismos, ou em meio a profuso emaranhado de concepções e teorias. Que é civilização? Entendê-la como expressão geográfica? É o mesmo que “cultura”? É “polidez”, “verniz”, “máscara”, por oposição a “selvagem”, “rústico”, “bárbaro”? Equivale a controle das emoções, das paixões e dos instintos? Significa tudo isso?

Partindo de uma acepção abrangente, que inclui desde canos de esgotos até as mais altas realizações do espírito humano no campo das artes, da ciência, dos ideais sublimes e dos valores morais, Fergunson esculpe a pergunta, fundamental e estratégica, para norteá-lo no exame do seu objeto de interesse, qual seja, o triunfo da civilização ocidental sobre a oriental. Mas, sejamos exatos, a civilização de que ele fala é a Europa, a velha Europa dos impérios colonizadores e a que prevalece ainda hoje em um núcleo hegemônico de países, acrescido do filho fora do continente, os Estados Unidos.

Para explicar e sustentar a tese, Fergunson adota os seis critérios de aferição que se seguem: a competição, a ciência, os direitos de propriedade, a medicina, a sociedade de consumo e a ética do trabalho. E ele resolve bem a tarefa, com o dedicar capítulo exclusivo a cada um dos critérios. Assim, emerge de suas páginas esplêndida visão histórica desse ocidente — desde o seu surgimento, passando por seu desenvolvimento, universalização dos valores, instituições, mentalidades, seus mitos e deuses, até seu avanço voraz dos dias de hoje por todos os grotões do mundo. O leitor sairá honrado com a explicação, por exemplo, acerca das razões pelas quais, em alguns lugares, prosperaram a liberdade individual, o direito à propriedade privada, a democracia de governo, o estado de direito, enquanto, em outros (caso da América Latina), vigoraram ditaduras, despotismos e caudilhismos. Compreenderá porque, e como, TV, Internet, bomba atômica, computador, vacinas, calças jeans, certas músicas e danças são filhos do Ocidente.

Mas o grande interesse do autor era apreender a civilização ocidental no seu movimento dialético, isto é, nos processos históricos de contraposição e conflito em face de uma contraparte. Obviamente, tal intento o obrigava a encarar os anacronismos e dualidades próprios a ela, donde a tamanha ênfase que põe no primeiro daqueles critérios — a competição — como fator que realmente dita a cadência e a substância da narrativa. O termo guerra, certamente, é o que mais nos ajudaria aqui, eis que é realidade sempre presente, quer o foco do relato aponte para o plano interno da civilização — os choques entre os grandes impérios ou Estados Nações — quer para o externo, o do outro — seja o império Otomano, o Islâmico, o mundo chinês ou japonês, seja o latino-americano ou o africano. Em síntese, observemos com Fergunson que a nossa civilização se forjou não apenas com homens sábios, cientistas, artistas, santos, legisladores, atletas, viajantes, mas também à base de espada, mosquete e bombas, ficando nítido o sentido de civilização como arena de luta, como campo de batalha, de guerra entre culturas, narrativas, discursos, ideologias, poderes etc.

Brescia - Apocalyptic vision The courtesan Babylon sitting on dragon

Desabamento de pilares

Contudo, o leitor cristão não sairá do livro com sorriso no rosto. No capítulo bastante revelador sobre o desabamento dos pilares de sustentação da civilização ocidental (ter presente o papel fundador da fé cristã, em particular da ética protestante), ele notará a correlação direta disso com o fenômeno que se verifica na Europa contemporânea, por Fergunson denominado de “atrofia da fé”, “descristianização”, “vácuo espiritual”, “morte de Deus”. Ou seja, defrontar-se-á com uma narrativa que contradiz todas as outras versando sobre conquistas, glórias e progressos do Ocidente. É o próprio autor quem se mostra surpreendido ao conferir uma afirmação de Cherterton (“o problema com o ateísmo é que, quando os homens param de acreditar em Deus, não é que eles não acreditem em nada. Eles acreditam em qualquer coisa”), com a realidade vivida pela Europa atual, repleta de cultos supersticiosos e “pós-modernos”, que vão desde a aromaterapia ao zen, do milagre da lua crescente à arte de manutenção de motocicletas. Cultos estes que não contribuem “de maneira efetiva para o vigor econômico ou coesão social quanto a velha ética protestante”. Em tal ponto do livro, o leitor cristão há de se perguntar: “Vitória?” “Que vitória é essa; de que vale ter conquistado o mundo inteiro mas ter perdido a fé em Deus?” E esse mesmo leitor cristão entenderá melhor porque precisa contar com antipatias e inimizades contra si, num tal ambiente civilizacional castigado pelo vácuo espiritual, mas que ignora o Deus Vivo e o substitui por uma sinistra ganância de dinheiro, por egos inflados, por shoppings, por bugigangas que ferrugem e traças corroem ou (pasmem!) por forças religiosas invasoras vindas do Oriente, em formas de budismo, islamismo, hinduísmo, seicho no iê, xintoísmo, soka gakkai e outras.

Em contraposição ao texto de Fergunson, olhemos um retrato bíblico que mostra uma civilização nada “vencedora”: “Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus” (2Tm 3:1-4). E, com isso, estabelece-se a verdade acerca da espécie de campo de batalha em que —  cristãos — estamos postos e, principalmente, contrapostos.

Vitória? Vitorioso? É Cristo tão somente, e o seu reino está a caminho: “…os sinais da sua vinda mais se mostram cada vez, vencendo vem Jesus”.


Nilberto de Matos Amorim

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