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Foto do escritorNilberto M. Amorim

Sobre mudanças de lei na educação: o caso da ‘Deliberação Nº 3/91’


Law, Justice, Book

Existirá, ao que parece, setor ligado à educação tendo interesse maior que outros na mudança da aludida deliberação, e pressiona para que tal ocorra. E o Conselho Estadual de Educação, talvez face à complexidade da matéria ou à pertinência latu senso dela — não restrita apenas a este ou àquele setor — está, no momento presente, abrindo oportunidade para que órgãos descentralizados da Secretaria de Educação encaminhem propostas e sugestões de modo a substituí-lo na elaboração do novo texto. Um gesto, sem dúvida, louvável e prudente, à primeira vista.

Por que mudar?

No entanto, no que nos diz respeito, sobrevieram-nos, desde o primeiro instante, dúvidas sobre a conveniência de se substituir a deliberação em assunto. Ora, por que substituir uma lei boa?

Sim, evidente que a Deliberação CEE Nº 3/91 é uma lei boa! Tenhamos olhos para ver. Em nível latente e mais profundo, encerra ela doutrina, ideias e concepções preciosas sobre: a) currículo escolar (“progressista”, note-se); b) respeito aos níveis de competência decisória dos docentes e dos “especialistas” ou técnicos; c) teorias de ensino-aprendizagem; d) avaliação escolar; e) projeto ou plano escolar; f) política educacional etc. Ou seja, encerra elementos que devem ser defendidos como sine qua non a uma política educacional voltada principalmente para o alunado das escolas públicas (camadas populares). Já no plano manifesto ou declarado, estabelece a lei uma variedade de pressupostos e princípios orientadores valiosos. Ei-los: a) autonomia/descentralização; prevalência do aspecto qualitativo sobre o quantitativo em termos de avaliação; b) desempenho global do aluno; c) decisão colegiada; d) registro do processo dos resultados da avaliação; e) indicação da possibilidade de prosseguimento de estudos; f) trabalho diversificado desenvolvido pela unidade escolar para promover aprendizagem; g) decisão do diretor, ouvido o colegiado.

Perguntamos: em sã consciência pode ser negada a necessidade de se preservar essa variedade de pressupostos e princípios orientadores? Ainda: por que mudar a Deliberação 3/91?

Nosso problema — o problema da nossa educação não é de lei, ou de mudar leis. As leis, as temos em quantidades diluviais (nossa proverbial cultura legiferante). Nosso problema consiste em cumprir as leis ou em garantir as condições da realidade para que elas sejam cumpridas. Caso específico da Deliberação 3/91. Todos sabemos que há discrepância, distância, entre os seus princípios, seus ideais, e a triste e mísera realidade reinante nos nossos ambientes escolares, principalmente no que respeita à capacitação de nossos professores, diretores e supervisores de Ensino. Que fazer, então? Mudar a lei, substituí-la? Ora, faça-nos o favor! Mil vezes melhor não seria prover nossos quadros de recursos revitalizadores e motivacionais (salário decente) e intelectuais (teóricos e práticos), de modo a que se tornem capazes de assimilar as ditas leis (inclusa a 3/91) e as cumprir em espírito e em verdade?

Brazil Flag on cannabis background. Drug policy. Legalization of marijuana

Definitivamente, a questão não é de edição de nova lei. Seria apenas mais uma, em meio à imensa quantidade das que já existem, das que já nos assolam, irritam e enlouquecem — o que, não obstante, não tem impedido de cairmos (o Brasil) em termos de educação, na vala inglória, acima apenas de países como Haiti, Chade, Laos, Gana. Uma outra lei (substituindo a 3/91) só se justificaria se integrando um conjunto de medidas articuladas, se em um contexto de política educacional ampla, abrangente, visível e consistente. Mas, desgraçadamente, este não é o caso aqui em São Paulo, pelo menos por ora. O que transparece é que à falência da escola e à urgência de certas demandas e providências, as autoridades dirigentes das nossas secretarias de Educação, uma após outra, tendem a responder com leis, normas, deliberações, controles, levantamentos de dados disso e daquilo, de ofícios, planilhas, estatísticas, testes, exames, plano de trabalho, roteiro de trabalho… Ou seja, com medidas inócuas e inoperantes, com medidas que podem ser definidas, no sentido melhor, como laterais e isoladas de um projeto educacional e, no pior sentido, como tergiversação, empulhação, tapeação, remendo. É uma pena.

Publicado originalmente no Jornal dos Professores, São Paulo, agosto de 1996

Nilberto de Matos Amorim

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